Como os casos de microcefalia levaram duas mães (e um pai) para a política
Grupos, criados durante a explosão dos casos de microcefalia no Brasil para troca de experiências, motivaram duas mães e um pai a se candidatarem
“Meninas, preciso da ajuda de vocês para tomar uma decisão. Entrei para um partido político e agora o candidato a prefeito me chamou para entrar como vereadora do meu município”, dizia a dona de casa paulista Gislaine Barboza, de 30 anos, em uma mensagem de WhatsApp.
As “meninas” eram mães de crianças com necessidades especiais diagnosticadas com microcefalia – causada ou não pelo vírus Zika – e outras síndromes. O grupo, que reúne mulheres de todo o Brasil, apoiou a candidatura de Gislaine em Indiana, uma cidade com aproximadamente 5 mil habitantes a cerca de 600 km de São Paulo.
“Quero fazer a diferença, pois aqui tem preconceito, até mesmo nos postos (de saúde). Eu chego com meu filho e já vou logo falando dos direitos dele”, disse ela.
Os grupos, criados durante a explosão recente dos casos de microcefalia no Brasil para a troca de experiências e conselhos entre familiares das crianças, motivaram duas mães e um pai a se candidatarem em suas cidades – em São Paulo, Amazonas e Bahia – pela primeira vez.
No caso de Gislaine, que tem um filho de 12 anos com paralisia cerebral, o apoio das mães foi fundamental para que ela levasse seus projetos para a arena política.
“Eu nasci aqui, fui morar em uma cidade um pouco maior e, quando voltei para cá, estranhei que qualquer pedido relacionado à saúde tivesse que ser feito diretamente ao prefeito. Isso não é certo”, disse à BBC Brasil.
Em alguns minutos de conversa, ela relata momentos em que discutiu sobre o atendimento a seu filho no posto de saúde, a dificuldade de conseguir remédios de alto custo para ele todos os meses por intermédio da prefeitura, a necessidade de um profissional para acompanhá-lo na escola e o transporte da mãe – que é cadeirante – para tratamentos na capital.
Em muitos dos casos, o apelo à Justiça foi sua solução. “Aqui não tem projeto para nossos filhos que são especiais. Como são poucas crianças, elas ficam esquecidas”, afirma.
Experiência
No grupo em que Gislaine pediu opiniões sobre sua candidatura, ela não era a única. Em Manaus, Viviane Lima, de 36 anos, também decidiu entrar para a política. “Por mim, vocês todas se candidatavam em seus municípios”, disse às mães, ao responder a pergunta de Gislaine e anunciar sua intenção de tentar o cargo de vereadora.
Mãe de duas adolescentes com microcefalia – de causa genética –, Viviane ficou conhecida em todo o país ao criar o grupo “Mães de Anjos Unidas” no WhatsApp, para dividir com as novas mães de bebês microcéfalos a sua experiência.
O grupo se ramificou para quase todos os Estados brasileiros e está em processo de tornar-se uma ONG em Manaus. “Passei todo esse tempo vivendo só eu, na minha situação, com as minhas filhas, e, quando aconteceu esse boom de microcefalia e fiz o grupo, comecei a conviver com a dificuldade das outras pessoas”, relembra.
“Precisamos de mudanças agora. Sei que um vereador não consegue executar as coisas, mas tem poder de elaborar projetos. Senão, essas decisões são tomadas e a gente não está lá para dizer o que a gente vive.”
No aplicativo de bate-papo, o “Mães de Anjos” inspirou grupos de pais. Convidado a participar das discussões online, o consultor de vendas baiano Adailton Gois, de 33 anos, também ganhou um impulso para seguir adiante com a candidatura.
“Eu já pensava em ser candidato antes porque moro num dos bairros mais carentes da minha cidade (Euclides da Cunha, município de mais de 60 mil habitantes a 300 km de Salvador). Eu já fazia um trabalho social e as pessoas me perguntavam por que eu não me candidatava”, diz.
“Entrei no grupo de WhatsApp porque senti na pele o que é precisar de ajuda para cuidar do seu filho e não ter esse tipo de ajuda.”
O filho de Adailton, de sete anos, sofre de distonia, um distúrbio neurológico dos movimentos que demorou cerca de três anos para ser diagnosticado. Ele tem dificuldade para sustentar os braços, se alimentar, escrever e fazer outras atividades. Andar já foi mais difícil, mas o garoto vem evoluindo com as sessões de fisioterapia na capital baiana.
A experiência pessoal, diz ele, também pauta a maioria dos seus projetos. “Preciso conseguir transporte adequado para as crianças daqui irem fazer tratamento em Salvador. Nós mesmos já perdemos consulta por não ter transporte. Também não temos neurologista na cidade, e acho que é possível trazer. A demanda é muito grande aqui.”
Problemas amplos
Para o economista e geógrafo François Bremaeker, criador do Observatório de Informações Municipais, o estímulo dos casos de microcefalia para a entrada de mães e pais na política segue uma tendência da política local brasileira: candidatos que passaram por tragédias ou dificuldades pessoais que se tornaram discussões públicas.
“Celso Russomano, que é candidato a prefeito em São Paulo, começou na política quando a esposa faleceu num hospital por falta de atendimento. E em São Paulo também há os pais do menino Ives Ota, que morreu assassinado”, relembra.
“Em boa parte dos municípios de pequeno porte, a pessoa consegue se eleger com 100 ou 200 votos. É muito fácil, em termos relativos, fazer uma articulação em torno de um tema específico e se eleger. Mas muitos prometem coisas que não conseguirão fazer.”
O cientista político e especialista em política municipal Marco Antônio Teixeira, da FGV-SP, diz que vereadores que se elegem a partir de casos de violência costumam “pegar carona na comoção social do caso”. Por isso, eles nem sempre conseguem mandatos satisfatórios, já que o debate sobre segurança se dá nos âmbitos estadual e federal.
Os candidatos que focam na saúde e no atendimento a pessoas com necessidades especiais, no entanto, têm melhores chances de avançar em suas propostas, diz Teixeira.
“O momento é oportuno porque o problema (do vírus Zika e da microcefalia) está disseminado pela sociedade. O mau atendimento às pessoas com deficiência também é histórico. E essas são questões que qualquer prefeitura tem como implementar políticas públicas para dar resposta.”
Para conseguir isso, segundo o cientista político, os candidatos não devem ser “vereadores de uma causa só”, caso sejam eleitos.
“A causa que os levou foi a da deficiência, mas ela não está dissociada de outras causas. Pessoas com necessidades especiais têm problemas como mobilidade nas cidades, dificuldade nas escolas municipais. Se tiverem esse olhar maior, eles transformam o debate sobre saúde em um debate mais amplo, que é como deve ser.”
Teixeira diz, ainda, que a experiência dos candidatos com portadores de necessidades especiais na família é importante para a criação de políticas públicas, mas não deve ser sua única contribuição.
“Há uma tendência de estes vereadores proporem só ações paliativas e pontuais. Mas é preciso juntar a experiência com o pensamento sobre as causas daquele problema.”
Fonte: Último Segundo/Eleições/BBC BRASIL
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