A cirurgia secreta em ‘mentor do 11/9’ que reforça polêmicas sobre Guantánamo

A cirurgia secreta em 'mentor do 11/9' que reforça polêmicas sobre Guantánamo

A cirurgia secreta em ‘mentor do 11/9’ que reforça polêmicas sobre Guantánamo

Segundo relatório da Agência Central de Inteligência Americana, terrorista teria sido submetido a práticas de tortura; Senado americano nega práticas


Preso há dez anos sem julgamento, Mustafa al Hawsawi vive ‘limbo jurídico’ e precisa de cirurgia retal após ser submetido a técnicas de interrogatório da CIA.

Mustafa al Hawsawi é um dos cinco presos acusados do maior crime da história recente dos Estados Unidos: os atentados de 11 de setembro de 2001.
O cidadão saudita, de 48 anos, está detido desde 2006 na base militar americana de Guantánamo (situada na ilha de Cuba), onde aguarda um processo judicial que pede sua pena de morte.
Junto com outros quatro homens, ele é acusado de ser um dos mentores das operações financeiras que facilitaram os atentados que mataram quase 3 mil pessoas.
Mas seu julgamento ainda não aconteceu. E nesse meio tempo, Al Hawsawi foi diagnosticado com prolapso retal, uma doença que causa a exteriorização do reto (parte final do intestino) por meio do ânus.
O problema causa dores intensas, hemorróidas crônicas e fissuras anais. Em audiências preparatórias, Al Hawsawi teve que usar uma almofada para se sentar.
O advogado dele, Walter Ruiz, explicou à BBC que, como consequência da doença, seu cliente sofre com muitas dores. “Ele vive com muita dor, problemas para defecar e precisa reinserir seu reto toda vez que faz suas necessidades”, disse Ruiz.
Causa e consequência
Mas qual é a relação entre a condição de saúde de Hawsawi e os atentados de 11 de setembro?
É o que tenta responder um relatório de 6,7 mil páginas sobre práticas de tortura da Agência Central de Inteligência americana, a CIA.
Um resumo desse documento – que foi rejeitado pelo Senado americano em 2014 – revela que Al Hawsawi foi submetido a interrogatórios com “técnicas de controle de conduta” que o deixaram com a condição atual.
Capturado no Paquistão em 2003, ele levado a um centro de detenção na CIA em uma localização secreta e submetido a várias técnicas de interrogatório até 2006.
Entre elas, estavam exames retais com “força excessiva” e uma técnica de “rehidratação” por via anal, como método de “controle de conduta”. Ele também foi submetido a técnicas de simulação de afogamento.

“Al Hawsawi clamava por Deus enquanto a água era derramada sobre ele e um dos interrogadores disse que foi por causa da temperatura fria da água”, disse o relatório apresentado ao Senado citando testemunhas.
O prisioneiro também tem muitas dores de cabeça, nas costas e no pescoço por conta de uma técnica chamada “walling” (de muro, em inglês), que consiste em fazer com que uma pessoa bata o corpo contra a parede.
‘Guerra contra o terror’
Os atentados de 11 de setembro deram início à intervenção militar dos Estados Unidos no Afeganistão e no Iraque, a chamada “guerra contra o terror”.
Após os atentados, o governo de George W. Bush abriu o centro de detenção de Guantánamo em 2002. Em 2006, o presidente fez um “reconhecimento público” da existência de um programa de detenção e interrogatórios da CIA.
A inteligência americana identificou, entre vários suspeitos, cinco homens como “mentores” da operação: Khalid Sheikh Mohammed, Ali Abd al Aziz Ali, Waleed bin Attash, Ramzi bin al Shibh e Mustafa Ahmad al Hawsawi.
Por serem suspeitos de terrorismo, sequestro de aeronaves, conspiração, ataques contra civis, lesões graves e violações ao direito de guerra, podem ser sentenciados à morte se forem condenados, de acordo com o Departamento de Defesa.
Mas nenhum dos cinco suspeitos foi acusado formalmente. Eles permanecem detidos por causa da Lei americana 107-40, que autoriza o uso de força militar contra quem “tiver planejado, autorizado ou cometido os atentados de 11 de setembro de 2001”.
“Ao que parece, a autorização geral permite a prisão perpétua”, afirmou um relatório do Grupo de Trabalho sobre as Detenções Arbitrárias da ONU.
No entanto, o advogado Walter Ruiz denuncia que seu cliente está em um “limbo legal”, já que nunca foi acusado formalmente e muito menos condenado para estar na prisão.
“Até agora, ele segue sem ter uma data para julgamento e só tem passado por audiências preparatórias”, disse Ruiz. “É o mesmo caso de outros quatro acusados, já que o processo é o mesmo”, explica o advogado.
Organizações de direitos humanos que acompanham o caso, como a Anistia Internacional ou a britânica Redress, têm criticado a situação principalmente com base em uma parte do relatório apresentado no Senado.
Eles dizem que “muitos indivíduos foram submetidos a técnicas de interrogatório da CIA apesar de dúvidas ou questionamentos sobre seu conhecimento sobre terrorismo ou sobre a localização de líderes da Al Qaeda”.
No caso particular de Al Hawsawi, um chefe dos interrogadores chegou a enviar uma carta à CIA em que afirma que “esse árabe não parece ser um gênio financeiro”, como afirmava a inteligência americana.
Cirurgia secreta
As audiências preparatórias têm sido extenuantes para Al Hawsawi, segundo o advogado Ruiz, já que o movimento causa “muita dor e limita sua capacidade para se apresentar”.
Em ocasiões o traslado até a sala de julgamento foi tão complicado que Al Hawsawi precisou parar e sentar em uma almofada para aliviar a dor, de acordo com Ruiz.
O advogado disse que seu cliente seria submetido a uma cirurgia – que pode inclusive já ter ocorrido – para poder lidar melhor com o transtorno e que ajudaria em sua defesa.
Mas ele considera “inaceitável” que não lhe tenha sido informado em que condições se daria a cirurgia, já que a operação é delicada e há dúvidas de que haja estrutura e instalações adequadas para tanto na base de Guantánamo.
A BBC solicitou ao Departamento de Informação detalhes sobre o procedimento cirúrgico, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

O médico do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, Jonathan Woodson, que cuida do caso de Al Hawsawi, disse em uma carta no mês de março que, “por questões de privacidade”, ele não pode fornecer esse tipo de informação.
Mas ele garante que orientou a equipe médica local a atender os pacientes com problemas de saúde física ou mental sob “juízo e normas padrões do que se aplica às equipes de Forças Armadas americanas”.
Para o advogado Walter Ruiz, o primordial é que as autoridades “facilitem a reabilitação” de Al Hawsawi e, então, que se defina sua situação.
Para o Grupo de Trabalho sobre a Detenção Arbitrária da ONU, o fato de as autoridades americanas manterem Al Hawsawi é “arbitrária, já que contraria os artigos 9 e 10 da Declaração Universal de Direitos Humanos.”
Guantánamo segue
Quando Barack Obama assumiu a Presidência dos Estados Unidos, assinou uma ordem executiva para fechar a base militar de Guantánamo – uma de suas promessas de campanha por causa das acusações de violações de direitos humanos.
No início de 2009, havia 242 presos no local, segundo o Departamento de Defesa e, desde então, a maior parte deles foi enviada a outros países – alguns sem acusações e em liberdade.
A três meses de Obama deixar o cargo, ainda restam 61 presos em Guantánamo e é provável que ele não consiga cumprir a promessa feita após dois mandatos. Entre os presos, estão os suspeitos mais importantes do 11 de setembro.
O presidente responsabiliza o Congresso americano, que é composto em sua maioria por representantes da oposição, por “impor restrições” para que os presos fossem enviados a outros países ou a outros centros de detenção nos Estados Unidos.
“A reparação adequada seria colocá-lo em liberdade e conceder-lhe o direito de obter uma indenização”, conforme o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, segundo uma resolução aprovada em 20 de novembro de 2014.
No entanto, Al Hawsawi é suspeito do que o então presidente americano George W. Bush descreveu como um ato que “mostrou o pior da natureza humana” e sobre o qual prometeu “encontrar e punir todos os culpados”.
Fonte: Último Segundo/Mundo/BBC BRASIL


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