Repatriação de recursos não declarados: fim do prazo gera correria na Suíça
Encerramento nesta segunda do prazo para regularização de recursos no exterior junto à Receita Federal brasileira causou correria nos bancos suíços
O encerramento nesta segunda-feira (31) do prazo para regularização de recursos não declarados no exterior junto à Receita Federal brasileira causou correria nos bancos suíços. A possibilidade de uma mudança na lei até o último minuto fez com que muitos brasileiros com contas no país europeu deixassem para o fim do prazo a declaração.
A lei dá anistia para crimes fiscais, algo que é visto por muitos como uma oportunidade única de regularização antes de entrada em vigor do acordo que permitirá à Receita Federal obter automaticamente dados de contas no exterior.
Até o último dia 24 de outubro, já haviam sido entregues mais de 15 mil declarações de pessoas físicas e 45 mil de pessoas jurídicas, totalizando uma arrecadação com impostos e multas superior a R$ 33 bilhões, segundo dados da Receita.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tentou colocar em votação uma alteração na lei, mas não obteve apoio político. Entre outros pontos, estudava-se mudar a proporção da distribuição do dinheiro arrecadado entre União e Estados, bem como uma prorrogação do prazo.
Essa instabilidade em torno da versão final da nova regra fez com que contribuintes esperassem até o último momento para aderir ao Regime Especial de Regularização Cambial Tributária, previsto em lei promulgada em janeiro.
Correria
Banqueiros que conversaram sob a condição de anonimato com a BBC Brasil afirmam que essa incerteza em Brasília contribuiu decisivamente para o grande fluxo de trabalho que se acumulou nos últimos dias.
“Além de ser da cultura do brasileiro deixar tudo pra última hora”, completou um profissional de Zurique.
“O fluxo de gente surpreendeu, mas o perfil já era esperado. É principalmente de famílias declarando investimentos antigos, bens de parentes que já faleceram, do espólio de gerações anteriores”, afirmou um profissional do mercado.
“Mas é importante lembrar que não são apenas os brasileiros que declaram, estrangeiros morando no Brasil também estão nessa”, destacou outro.
Segundo o Banco Central, uma estimativa da origem do montante repatriado agora pelo programa estará disponível somente dentro dos próximos meses, pois depende do repasse de informações da Receita Federal.
Como referência, dados do BC estimam que em 2015 o retorno ao Brasil de investimentos em moedas e depósitos declarados no exterior totalizou US$ 45,7 bilhões (R$ 145 bilhões).
Os principais países de origem de recursos são Estados Unidos (52%), Ilhas Cayman (23%), Reino Unido (5,7%), Bahamas (3,9%) e Suíça (3,4%) – neste país, esse percentual equivale a US$ 1,5 bilhão (R$ 4,7 bilhões).
Para escapar de ter de responder por contravenções, as pessoas físicas ou jurídicas precisam enviar até esta segunda uma declaração à Receita listando bens líquidos ou ativos mantidos no exterior antes de 31 de dezembro de 2014.
Essa obrigatoriedade recai sobre todos os indivíduos ou organizações residentes ou domiciliados no Brasil, inclusive os estrangeiros.
Oportunidade única
Acostumado a lidar com investidores privados e empresariais, o advogado Sérgio Mitsuo Vilela explica que a oportunidade de legalização atraiu grande adesão porque o Brasil participa do acordo de troca automática de informações da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), que começará a ter efeito prático em 2018.
Isso significa que diversos países compartilharão dados fiscais do ano 2017 uns com os outros – logo, será mais fácil flagrar e punir sonegadores.
“A grande parte dos clientes está ciente de que essa é uma oportunidade única de regularização e concordam em arcar com os custos”, disse.
Um brasileiro baseado na Suíça familiarizado com a situação, mas que não quis ter o nome publicado, explicou que um dos efeitos colaterais da lei de repatriação e do acordo da OCDE é uma maior marginalização dos investidores que desejam seguir na clandestinidade.
“Eles vão migrar das instituições respeitadas para bancos de segunda, possivelmente de terceira categoria. Ainda assim, esses bancos pequenos, chamados boutique, e que muitas vezes preferem não seguir cuidadosamente as regras de compliance, também estão com os dias contados. Em algum momento terão que colaborar, e o cliente que não estiver de acordo vai sair perdendo mais ainda.”
Outro profissional de um grande banco privado completou: “Os clientes da nossa instituição foram orientados a aderir à repatriação e aqueles que não quiserem declarar serão convidados a encerrar suas posições com o nosso banco. A maioria das organizações sérias adotou essa política”.
Os custos referidos por Vilela, previstos na lei para a regularização, são de cerca de 30% – 15% em imposto de renda sobre o ativo declarado e 15% de multa sobre o mesmo valor.
Catálogo de bens
A lista de posses que precisam ser declaradas para a anistia ter efeito é extensa.
Inclui imóveis, veículos, aeronaves, embarcações e, além de depósitos bancários, fundos de investimento, instrumentos financeiros, apólices de seguro, operações de capitalização, depósitos em cartões de crédito, fundos de aposentadoria ou pensão, entre outros.
Também estão incluídos operações de empréstimo com pessoa física ou jurídica, recursos decorrentes de operações de câmbio ilegítimas ou não autorizadas, recursos integralizados em empresas estrangeiras sob a forma de ações, integralização de capital, contribuição de capital ou qualquer outra forma de participação societária ou direito de participação no capital de pessoas jurídicas com ou sem personalidade jurídica.
É necessário declarar ainda ativos intangíveis disponíveis no exterior, como marcas, copyright, software, know-how, patentes e todo e qualquer direito submetido ao regime de royalties.
A lei se refere a contas ou ativos de pessoas residentes ou domiciliadas no Brasil em 31 de dezembro de 2014, ainda que essas contas ou ativos não tivessem mais saldo ou valor.
Vilela lamentou que a versão da lei publicada no Diário Oficial excluiu os que temporariamente não residissem no Brasil em 31 de dezembro de 2014.
“Isso significa uma criminalização de casos ordinários. Por exemplo, um intercambista que só passou alguns meses no exterior antes de 31 (de dezembro), mas chegou a possuir conta em banco, só que não declarou já, estará na contravenção, pois não se enquadrará para poder aproveitar essa oportunidade de anistia.”
Isso, porém, não se aplica aos que têm domicílio no exterior declarado perante a Receita antes dessa data de corte.
Contas com menos de R$ 10 mil de saldo em 31 de dezembro de 2014 ficaram isentas do pagamento de multa de 15%, estando obrigadas apenas a honrar os 15% de Imposto de Renda.
Crime e perdão
A lei dá anistia para crimes fiscais, desde que não haja condenação criminal pesando contra o contribuinte.
Com isso, há “extinção da punibilidade” para sonegação fiscal, sonegação de arrecadação previdenciária, falsificação de documentos, falsidade ideológica, evasão de divisas e lavagem de dinheiro – este último, nos casos em que os recursos são provenientes dos crimes relacionados às contravenções fiscais citadas antes.
Havia ainda previsão de anistia ao crime de operação de câmbio por meio de doleiro laranja, mas esse artigo acabou vetado pela então presidente Dilma Rousseff ao sancionar a lei.
O projeto foi originalmente redigido pelo deputado Manoel Júnior (PMDB-PB) em 2015 e acabou aprovado na Câmara sob a liderança do então presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – ele ainda tentou inserir o perdão à lavagem de dinheiro de uma forma mais abrangente, ou seja, além dos crimes fiscais, entre os pecados a serem perdoados.
De acordo com documentos do Ministério Público suíço, o ex-deputado, que foi cassado e atualmente está preso pela operação Lava Jato, possui contas geridas por trusts (fundações criadas para administrar bens) em seu nome no país e que não foram declaradas ao Brasil.
Cunha perdeu o mandato por negar à CPI da Petrobras que tivesse contas no exterior – fato que foi considerado quebra de decoro parlamentar. Até o fim, porém, ele negou que isso tivesse ocorrido, já que as contas são geridas pelos trusts, e não por ele.
Sua mulher, a jornalista Cláudia Cruz, tentou utilizar-se da lei de repatriação para reaver valores, mas teve o pedido negado pela juíza Diana Maria da Silva, da Justiça Federal do Distrito Federal na semana passada.
A lei contém um artigo para impedir que pessoas com o perfil dela se aproveitem da anistia:
“Os efeitos dessa lei não serão aplicados aos detentores de cargos, empregos e funções públicas de direção ou eletivas, nem ao respectivo cônjuge e aos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, na data de publicação desta lei.”
Fonte: Último Segundo/Brasil Econômico/BBC Brasil
Não encontrou o que queria? Pesquise abaixo no Google.
Para votar clique em quantas estrelas deseja para o artigo
Enviar postagem por email