Juiz autoriza uso de técnicas de tortura em escola ocupada
Magistrado permitiu, entre outras medidas, que a PM utilizasse som alto para impedir sono dos estudantes; colégio foi esvaziado nesta terça-feira
O juiz Alex Costa de Oliveira, da Vara da Infância e da Juventude do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJ-DFT), publicou nesta semana decisão judicial que autoriza a Polícia Militar (PM) a utilizar técnicas consideradas como tortura para forçar a desocupação do Centro de Ensino Asa Branca, de Taguatinga, que estava tomado por estudantes desde o último dia 27.
O colégio foi desocupado na manhã desta terça-feira (1º), depois que os manifestantes receberam o mandado de reintegração de posse expedido pelo juiz. Os estudantes protestavam contra a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que limita o crescimento dos gastos públicos. O grupo considera que a medida irá reduzir os investimentos em áreas importantes, como saúde e educação, o que o governo nega.
Na decisão publicada pelo magistrado, ele autoriza que, para “auxiliar no convencimento à desocupação”, a PM “utilize meios de restrição à habitabilidade do imóvel, tal como suspenda o corte do fornecimento de água, energia e gás”. Ele também permitiu que a polícia “restrinja o acesso de terceiros [à escola], em especial parentes e conhecidos dos ocupantes, até que a ordem seja cumprida”.
Outra determinação de Oliveira foi para que a PM impedisse a entrada de alimentos ao colégio. Por fim, a medida mais contestada por juristas foi a autorização para que as forças policiais utilizem “instrumentos sonoros contínuos, direcionados ao local da ocupação, para impedir o período de sono”. Ele acrescentou que “tais autorizações ficam mantidas independentemente da presença de menores ocupantes no local, os quais, a bem da verdade, não podem lá permanecer desacompanhados de seus responsáveis legais”.
Opiniões
Para especialistas ouvidos pelo iG, as medidas autorizadas pelo magistrado atentam contra os direitos humanos e contrariam a legislação brasileira. O advogado Ariel de Castro Alves, coordenador da Comissão da Criança e do Adolescente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe-SP), cita que a decisão fere, em especial, a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a lei 9.455/1997, que define os crimes de tortura.
O artigo 227 da Constituição determina que “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
Já o ECA, no artigo 232, considera como crime “submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento”, com pena de seis meses a dois anos de reclusão.
A lei 9.455/1997 considera como crime de tortura “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental”, além de “submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo”. A pena é reclusão de dois a oito anos.
Castro Alves cita ainda o Código Penal, que classifica como “maus-tratos” “expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina”. A pena estipulada é de detenção de dois meses a um ano, além de multa.
“É incompatível que um juiz da infância tenha essas práticas, que são ilegais e inconstitucionais. Ele está legitimando a tortura”, comenta Castro Alves.
O advogado Martim de Almeida Sampaio, coordenador da Comissão de Direitos Humanos da seção de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), acrescenta que, além de ferir a legislação brasileira, a decisão do magistrado também vai contra o Protocolo de Istambul, documento do qual o Brasil é signatário e que é um manual para investigação e documentação da tortura e outros tratamentos cruéis.
“A convenção de Istambul determina que a tortura não é configurada somente pelo sofrimento físico, mas também pelo tormento psicológico”, comenta Sampaio. Ele afirma que a utilização de barulho para impedir o sono é uma técnica utilizada em prisões norte-americanas, como a de Guantánamo, em Cuba, destinada aos presos suspeitos de envolvimento com o terrorismo. “A privação do sono é algo tão forte que leva algumas pessoas à loucura e outras até ao suicídio”, acrescenta.
Sampaio diz temer que outros magistrados pelo Brasil adotem medidas semelhantes. Segundo ele, o País está passando por um momento de “retrocesso, em que a Carta Magna não está sendo respeitada”. Para o especialista, entidades de direitos humanos devem fazer denúncias a órgãos como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e até à Organização das Nações Unidas (ONU).
Outro lado
A reportagem do iG tentou ouvir a versão do juiz Alex Costa de Oliveira, mas não obteve sucesso, já que o TJ-DFT transferiu o feriado em comemoração ao Dia do Servidor Público, que ocorre no dia 28 de outubro, para o último dia 31, emendando a data com o Dia de Finados (2 de novembro). As atividades serão retomadas somente na quinta-feira (3). Mesmo procedimento foi adotado pelo CNJ.
Fonte: Último Segundo/Brasil/Por Fábio Munhoz
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