Como desastre de Mariana levou professor a ser indicado a ‘Nobel da educação’
Autor de experiências com alunos no Rio Doce, professor do Espírito Santo é um dos finalistas do Global Teacher Prize, que dará US$ 1 milhão ao vencedor
O capixaba Wemerson Nogueira tem apenas 26 anos, mas já dá conselhos aos colegas professores de escola pública sobre como tornar a experiência em sala de aula mais rica e eficiente: “Deem voz aos alunos e permitam-se aprender com eles”.
Em cinco anos dando aulas na rede estadual do Espírito Santo para alunos do ensino fundamental e médio, ele acumula prêmios pelos projetos educativos que desenvolveu. E agora, é um dos 50 finalistas do Global Teacher Prize, considerado o ‘Nobel da educação’.
É a segunda vez que brasileiros fazem parte da lista de finalistas divulgada pela ONG Varkey Foundation.
Em 2016, além de Wemerson, o professor amazonense Valter Pereira de Menezes também é considerado para o prêmio de US$ 1 milhão, entregue a “um professor excepcional que tenha feito uma contribuição extraordinária para a profissão”.
O nome do vencedor será anunciado em março, durante um evento em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.
Para Wemerson, que ensina Química e Ciências na cidade de Boa Esperança, o segredo do sucesso está em motivar os alunos, descobrindo como eles gostariam que o conteúdo fosse abordado na sala de aula – ou fora dela.
“Desde 2014, a primeira coisa que faço com meus alunos é mostrar o plano de ensino daquele ano para eles e trocamos ideias sobre como estudar aqueles conteúdos. Por exemplo: ‘Como vocês querem aprender a tabela periódica?'”, disse à BBC Brasil.
“Eles dão ideias, eu anoto tudo no quadro. Depois temos uma roda de conversa para debater o que é viável e o que não é. Em seguida, falo com meu diretor sobre o que quero fazer. Sempre tive apoio dos meus diretores.”
Rio Doce
Wemerson ficou famoso no estado na primeira escola em que trabalhou, ao criar um projeto de paródias musicais para ensinar o conteúdo de Química de todo o ano letivo. “Foram mais de 40 músicas, com samba, funk, pagode, era uma loucura na escola. Fico até emocionado lembrando”, diz.
“Tenho uma aluna que foi aprovada em Medicina na Universidade Federal do Espírito Santo cantando. Ela cantava os conteúdos de Química e Biologia durante a prova, e foi aprovada em segundo lugar.”
No início das aulas em 2016, em sua consulta com os alunos da 8ª série da Escola Estadual Antônio dos Santos Neves, ele percebeu o impacto do rompimento da barragem em Mariana, que havia ocorrido em novembro de 2015.
“Estamos muito perto de Colatina (MG) e de Linhares (duas das cidades atingidas pela lama que desceu o rio Doce). Os alunos só falavam disso e queriam aulas práticas de Química. Então pensei em levá-los para fazer uma pesquisa científica de campo, em Regência (ES).”
“Os alunos choravam muito ouvindo as histórias dos moradores afetados pela lama. Aí não era mais só entender a Química, era tentar ajudar a população. Voltamos para a escola transformados”, relembra.
Após fazer parcerias com laboratórios, os alunos fizeram análises de amostras da água do rio Doce para estudar os elementos da tabela periódica – entre eles, os metais pesados encontrados no rio. Um deles teve a ideia de desenvolver um filtro para purificar a água usada pelos moradores.
“É um filtro à base de areia que deixa a água transparente, própria para o uso doméstico e agrícola, porque é 75% potável, com base em uma portaria do Ministério da Saúde”, explica Wemerson.
“Levamos os filtros para a comunidade de Regência, muitos ribeirinhos que não tinham água para nada receberam o filtro. Agora ele está sendo replicado em diversas comunidades e ficou conhecido nacionalmente. Nós fomos a primeira escola pública a tomar uma atitude em prol das 3 milhões de pessoas afetadas pela tragédia do Rio Doce.”
O projeto “Filtrando as lágrimas do Rio Doce” deu ao professor seu primeiro prêmio nacional, o Educador Nota 10, concedido aos dez melhores educadores do Brasil. A partir daí, ele passou a sonhar com o reconhecimento internacional.
“Uma amiga me marcou numa postagem sobre o prêmio no Facebook e me disse: ‘Já imaginou, Wemerson? Ser o melhor do mundo?”
Primeiro aluno
Segundo o Ministério da Educação, apenas 2% dos jovens brasileiros que saem do Ensino Médio querem ser professores. Mas Wemerson teve seu primeiro “aluno” ainda na 6ª série do Ensino Fundamental – uma estratégia para melhorar seu comportamento em sala de aula.
“Eu era muito hiperativo, conversava para chamar a atenção e às vezes atrapalhava a aula. Então os professores começaram a me colocar para trabalhar na sala sendo monitor dos colegas. Mas isso foi uma coisa tão dinâmica e tão gostosa, porque eles me colocavam em aulas de Ciências, de Química, que eram as que tinham mais experiências”, conta.
“Tinha um aluno, Tiago, que tinha muitas dificuldades na escola, por conta de problemas com a família: drogas, violência doméstica, problemas financeiros. Nós éramos próximos e os professores me colocaram para ajudá-lo. Comecei a pegar um amor em fazer algo pelo próximo, a entender a importância de estudar e o sentido de estar em sala de aula.”
A experiência como monitor do amigo desde a 6ª série até o Ensino Médio é o que Wemerson considera seu primeiro triunfo na educação e sua inspiração para fazer com que outros jovens queiram seguir a profissão.
A história dos dois é mencionada diversas vezes na conversa com a reportagem e foi relatada pelo professor na inscrição para o Global Teacher Prize.
“As notas dele melhoraram, meu comportamento melhorou. Ele também acabou virando professor, de Educação Física, e está super feliz com a minha indicação para finalista do prêmio. Ficou muito emocionado.”
‘Guerreiro’
O capixaba já sonha alto com o prêmio de US$ 1 milhão, caso seja selecionado. A Fundação Nogueira, que ele pretende criar, vai oferecer bolsas a alunos do Ensino Médio que queiram tornar-se professores – um incentivo para uma carreira em que baixos salários e pouca infraestrutura são citadas como motivos para não seguir.
“Quero investir com a orientação pedagógica de especialistas aos professores para transformar a nossa educação. Eles vão orientar os professores sobre como desenvolver projetos, como dar sentido à vida dos alunos dentro da escola. Quero mostrar a eles que projetos dão certo. Desde 2012 eu só ensino assim e tenho resultado muito positivo”, afirma.
Nos planos está também um laboratório de Ciências e Tecnologia em sua cidade natal, Nova Venécia, que possa ser utilizado por professores de todas as escolas do município para aulas práticas fora do ambiente escolar.
Com o dinheiro restante, Wemerson quer investir na própria formação, e conhecer as experiências de outros países. “Quero conhecer a educação precária, difícil e batalhadora em países da África e também a educação avançada, da Finlândia.”
Sua chegada aos 50 melhores do mundo, diz ele, deveria ser exemplo para o país. “Eu me sinto um guerreiro sendo professor. A educação está vivendo um momento muito difícil com a aprovação dessa PEC (55, que determina que os gastos com políticas sociais, em especial educação e saúde, sejam apenas corrigidos pela inflação do ano anterior dentro dos próximos 20 anos, não recebendo aumento conforme previsto na Constituição de 1988).”
“Os professores de escola pública precisam de investimento dobrado e merecem uma boa estrutura. A educação não pode ser paralisada para que futuramente venha a ter investimentos melhores. O investimento precisa ser priorizado agora, nesse momento”, afirma.
“Quero poder dizer ao País: ‘Olha, o Brasil tem professor de escola pública que acredita na educação e quer inovar’.”
Fonte: Último Segundo/Educação/BBC BRASIL
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