Woody Allen fala sobre a possibilidade de filmar no Brasil

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O endereço é dos mais improváveis para se encontrar Woody Allen. O hotel cinco estrelas localizado na boca da Rodeo Drive tem como principal pedigree cinematográfico ter servido de cenário para “Uma linda mulher”, com Julia Roberts.

O cineasta nova-iorquino por excelência começa a filmar nas próximas semanas em São Francisco e, às vésperas do lançamento de “Para Roma, com amor” nos cinemas brasileiros (no dia 29), parece pouco confortável na outra capital informal da Califórnia, inquieto em uma suíte de fundos, estrategicamente sem vista para as palmeiras da North Beverly Drive.

Com algum esforço, pode-se até imaginar a ponte da Rua 59 logo ali ao lado e que Diane Keaton vai surgir a qualquer momento pelos corredores do Beverly Wilshire.

— Sou um nostálgico urbano, sofro de insatisfação geográfica crônica. Se estou em Nova York, sinto uma falta imensa de Paris. Mas basta passar uns dias na França para morrer de saudade de Manhattan. Sempre imagino que, se estivesse em um outro lugar, as coisas seriam melhores na minha vida. Mas a realidade, quando chego ao próximo destino, me desmente de imediato. 

Allen passou a maior parte da última década em um doce exílio europeu. A dificuldade em financiar filmes em um cenário sufocado pela ditadura dos blockbusters de Hollywood o levou a Londres (“Ponto final — Match point”; “Scoop — O grande furo”; “O sonho de Cassandra” e “Você vai conhecer o homem dos seus sonhos”), Barcelona (“Vicky Cristina Barcelona”), Paris (“Meia-noite em Paris”) e Roma. A próxima parada, depois da aventura californiana, ainda pode ser o Rio, opção aventada em outubro de 2009, quando seus produtores estiveram na cidade checando possíveis locações:

— Filmar no Rio é uma possibilidade real. Filmes demoram para sair do papel, mas os produtores, inclusive minha irmã, ficaram muito bem impressionados com a cidade. Na nossa lista de possibilidades para os próximos anos, o Rio está no posto mais alto do pódio. 

Sem prazer com o cinema americano
Camisa verde-água para dentro da calça, Allen pede gentilmente para o repórter falar mais alto. Aos 76 anos, a capacidade auditiva não acompanha a eloquência, intacta.

— Tenho algumas ideias que poderiam funcionar bem no Rio. Os americanos têm uma imagem muito romântica da cidade, especialmente por conta da orla. Imagino, então, uma narrativa mais enfaticamente romântica, com a história passada em boa parte nas praias da Zona Sul.

Paris e Roma também estão na categoria “cenários românticos” no caderno de anotações de Allen. “Meia-noite em Paris” rendeu ao diretor um Oscar de melhor roteiro (sua quarta estatueta, as anteriores recebidas pelo roteiro de “Hannah e suas irmãs” e pelo roteiro e pela direção de “Noivo neurótico, noiva nervosa”) e o maior sucesso comercial em 44 anos de carreira, com mais de US$ 150 milhões em bilheterias mundiais.

O anti-blockbuster se tornou, aos 76 anos, um favorito da indústria. Ele acha graça da boutade. Diz duvidar de seu poder de atingir as multidões. Está satisfeito, jura, com seu “público modesto, mas sempre fiel”. E segue batendo em Hollywood:

— Não tenho tido prazer com o cinema americano. A maioria da produção é lixo puro. Comédias estruturadas para agradar à meninada. São bobocas, com ideias velhas, sem inteligência, repletas de piadas de banheiro, filmes infantilizados para uma plateia infantilizada, estúpida, ávida por se sentir como se tivesse novamente 16 anos. Hollywood é hoje, com poucas exceções, um reflexo acrítico da sociedade americana.

Allen, como se sabe, não veio a Los Angeles para receber seu Oscar na festa do ano passado, deixando para Angelina Jolie a tarefa de representá-lo. Curiosamente, em “Roma”, ele escalou para os papéis centrais do núcleo jovem três das mais celebradas promessas da nova geração do cinemão americano.

Jesse Eisenberg (de “A rede social”) vive um jovem estudante de arquitetura, em allensesco debate entre a razão, via a namorada-cabeça encarnada por Greta Gerwig (de “Sexo sem compromisso”), e a paixão visceral e destrutiva, representada pela personagem de Ellen Page (de “Juno”).

O diretor de “Manhattan” conta que busca em seus atores algo muito simples: a capacidade de atuar realisticamente. E mais nada. Ele abre um meio-sorriso ao revelar que as pessoas ficariam espantadas ao descobrir a quantidade de atores com propensão para a canastrice em Hollywood.

Allen levanta as mãos, num gesto brusco, e entrelaça os braços ao alto, como uma Carmen Miranda em câmera lenta, para reclamar do que considera ser o principal problema da nova geração do cinema americano: a vontade de atuar em tempo integral, a “mania da atuação”, quando “aquelas criaturas adoráveis começam a fazer o que pensam que é atuação”, deixando de ser críveis, tomando a tela como palco.

Há mais ópera do que teatro em “Roma”, com Allen de volta ao lado de lá da tela, vivendo um diretor experimental aposentado intrigado com o vozeirão do pai romano de seu futuro genro. O único problema: tal talento só se revela sob o chuveiro.

O elenco conta ainda com Judy Davis, Penélope Cruz, como a despachada prostituta Anna, e Roberto Benigni, como um homem simples transformado em celebridade da noite para o dia, em uma crítica ácida à cultura da celebridade fácil e da banalidade da imprensa americana.

Também se destacam o casal de interioranos formado pelos italianos Alessandro Tiberi e Alessandra Mastronardi e as muitas participações especiais locais, incluindo Ornella Muti e Giuliano Gemma.

Assim como em “Meia-noite em Paris”, em “Roma” Allen passeia por pontos turísticos óbvios. Mas a viagem no tempo, desta vez, é mais suave, conduzida pelo narrador vivido por Alec Baldwin, um famoso arquiteto americano remoendo as escolhas do passado, em direto paralelo com o personagem de Eisenberg, com quem conversa em passeios mais ou menos fictícios pelo Coliseu e pela Fontana di Trevi.

A crítica italiana se irritou com os personagens estereotipados e reclamou da “visita preguiçosa” de Allen ao caos italiano de todo dia. Mas o diretor defende a protagonista de fato de sua história, a Cidade Eterna de sua imaginação.

— A grande estrela do filme é Roma, mas, quero crer, o cinema italiano também. A Anna, por exemplo, é uma homenagem discreta à Cabíria de Fellini. Como em “Noites de Cabíria”, ela também é uma espécie de heroína, pois a personagem de Penélope Cruz salva, de certo modo, o relacionamento do casal interiorano. Minha Roma é a do fã ardoroso da cinematografia italiana, uma imensa influência. Vi todos os filmes do Fellini, do Cecchi, do De Sica, do Gianni Puccini, do Moniccelli, até mesmo os do Antonioni. Eu amo aqueles filmes todos, e o resultado foi esta minha “Roma”.

Alec Baldwin voltará a aparecer no novo filme de Allen, ainda sem título anunciado, ao lado de Cate Blanchett, Sally Hawkins, Peter Saarsgard e o comediante Louis C.K., um dos maiores sucessos da TV americana no momento.

O diretor se diz feliz por conseguir filmar ao menos uma pequena parte da empreitada em Nova York, logo após encerrar a temporada californiana. Sobre o filme, adianta apenas que contará, desta vez, uma história “mais dramática”.

Voltado para a janela sem paisagem, Woody Allen murmura que seus filmes giram em torno de uma mesma ideia romântica.

A de que a razão se esvai por completo da vida do ser apaixonado. Muito raramente, decisões amorosas são tomadas de modo consciente. É este momento de ruptura que lhe interessa mais, seja na arte ou, como sua biografia não desmente, na vida.

No fim das contas, ele frisa, todo mundo faz aquilo de que gosta. Todos acham modos de se justificar. E há um imenso manancial cômico a ser explorado no ridículo dos embates amorosos traduzidos pelo velho cineasta na mais palpável diversão.

fonte: O Globo


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