Pai perde filha por overdose e entra em missão armada para salvar dependentes
Homem foi preso portando diversas armas no carro, mas alega fazer parte de um grupo que resgata jovens do vício em drogas
A prisão de um homem, nos arredores de Nova York, que carregava em sua caminhonete um verdadeiro arsenal de armas e munições, gerou uma polêmica inesperada.
Quando foi detido por policiais, juntamente com outras duas pessoas que estavam no veículo, acreditava-se que o grupo estava a caminho de cometer um grande ato de violência, nos moldes, por exemplo, do recente ataque à boate gay em Orlando, em que foram mortas 49 pessoas.
Mas aos poucos veio à tona uma história diferente: a de um pai que perdeu a filha por abuso de drogas e estava prestes a resgatar uma menina das garras de traficantes.
John Cramsey e seus dois companheiros (um homem e uma mulher) foram detidos em 21 de junho em um túnel em Nova Jersey, e, por causa do alto número de armas de curta e longa distância, a prisão ganhou destaque no noticiário nacional.
Mas quando amigos e conhecidos de Cramsey em Allentown, na Pensilvânia, viram a notícia, imediatamente chamaram o incidente de “mal entendido”.
“Ele estava resgatando uma menina”, disse Lyn Baker. “Várias pessoas aqui ficaram indignadas com essa prisão. Várias informações (do noticiário) estavam erradas.”
Baker e Cramsey são co-fundadores de um grupo chamado “Enough is Enough” (“Agora Chega”, em tradução livre), que oferece “apoio às famílias na dor, conselho e soluções” para pessoas que têm de lidar com parentes de dependentes de heroína na Pensilvânia
O Estado americano viu o número de mortes por overdose ter um aumento de dois dígitos nos últimos anos.
“John fica empolgado com algumas coisas, mas o que ele estava fazendo era apenas salvar uma vida”, escreveu um dos seguidores do grupo na página que eles mantêm no Facebook, que já tem mais de mil membros.
De acordo com seus próprios posts em sua página pessoal, Cramsey – que é dono de um estande de tiro – estava a caminho de uma boca de fumo para resgatar uma garota e levá-la de volta à Pensilvânia.
“Estou a 11 milhas de Brooklyn, Nova York, a caminho de um hotel para retirar de lá uma jovem de 16 anos”, escreveu Cramsey com as fotos dele com seus amigos na caminhonete.
“Na noite passada, ela encontrou seu amigo deitado na mesma cama que ela e morto por mais uma overdose de heroína…estou tirando essa garota aqui de Nova York e qualquer um que esteja no hotel e também queira voltar para casa será bem-vindo.”
Mas antes de chegar a seu destino, Cramsey foi detido por policiais, que encontraram cinco pistolas, um rifle AR-15, uma espingarda, diversas facas e uma pequena quantidade de maconha. As autoridades exibiram as armas encontradas ao lado de uma mochila de Cramsey que dizia “Atire no traficante de heroína mais próximo”:
Essa frase também estava estampada em um dos lado de sua caminhonete e também em camisetas usadas por eles, mas Baker garantiu que a proposta ali não era usar de violência contra os traficantes.
“Nossa prioridade não é matar pessoas, mas sim levar pessoas doentes para receber um tratamento”, ela disse. No entanto, ela não soube explicar por que Cramsey partiu para sua missão com tantas armas no carro.
Dor de perder a filha
Lyn Baker, sua amiga, diz que John criou o grupo depois da morte da filha. “Ele não conseguia superar a dor de perder a filha. Foi ficando mais e mais triste.”
Em fevereiro, a filha de Cramsey, Alexandra, de 20 anos, apelidada de “Lexii”, foi encontrada morta ao lado de seu namorado em uma casa em Allentown. A causa da morte apontada pelos exames foi uma overdose de heroína e fentanil, o mesmo opioide analgésico que matou o músico Prince no início deste ano.
Lexii Cramsey descrevia a si mesma como “uma modelo de 20 anos com alma cigana”. “Tenho aspirações enormes e um desejo interminável de conhecer o mundo, um passo de cada vez”, escreveu ela em sua conta no Tumblr.
De acordo com seu amigo e fotógrafo Mark Chiber, Lexii conseguiu relativo sucesso com trabalhos em Filadélfia, Nova York e México. “Ela estava saindo em todos os tipos de revista, estava indo muito bem”, disse ele.
“Pelo que sabíamos, ela nunca tinha tocado nesse tipo de coisa (drogas). Ela odiava isso”, afirmou Shiber. “Se foi heroína (a causa de sua morte), com certeza foi a primeira vez que ela experimentou isso.” Lexii Cramsey não tinha nenhum antecedente criminal e sua morte foi tratada como “acidental”.
Poucos dias após sua morte, seu pai, John Cramsey, foi pela primeira vez a uma reunião na prefeitura da cidade de pessoas engajadas com combate ao vício de heroína. Ele logo chamou atenção pela visão de que a melhor forma de combater o problema era enfrentando os traficantes.
“Eu realmente fiquei muito, muito, muito preocupada desde que conheci John”, disse Donna Jacobsen, que faz parte de um grupo de apoio a famílias que passam por esse problema. “Eu fiquei chocada ao ver a maneira como ele tratava o assunto. “Atire no traficante de heroína mais próximo”. Essa realmente não é a resposta a ser dada.”
Cramsey reconheceu seu erro em uma outra reunião sobre o tema três semanas após a morte de Lexxi, quando disse que não desejava mais se vingar do homem que teria sido o responsável pela dose que levou sua filha à morte.
“Se eu o tivesse matado, isso não faria com que eu me sentisse melhor”, disse. “Eu mudei. Agora quero fazer a diferença.” Cramsey conseguiu isso no caso de Andrew Miller, um homem de 27 anos morador de Allentown que estava lutando contra o vício da heroína por 10 anos.
Dois meses atrás, Miller conta que estava em busca de hospitais para conseguir um tratamento e ficar “limpo”. Mas ele não tinha convênio de saúde. “Ninguém podia realmente me ajudar”, disse. “Minha mãe me disse para ligar para John Cramsey. Uma ligação e eu consegui marcar um encontro com ele em meia hora.”
Miller conta que Cramsey o ajudou a entrar em um programa de reabilitação de 28 dias. Quando acabou, Miller decidiu fazer parte de um local na Flórida ligado a um programa para pessoas que conseguiram largar o vício recentemente. Ele diz que Cramsey pagou sua passagem de avião.
“Eu não estou acostumado a aceitar ajuda, então isso é muito louco para mim”, afirmou Miller, que agora já soma 69 dias sóbrio. “Até que alguém perca um filho ou uma filha, não sei se você vai entender qual é esse sentimento. Ele está em uma missão e não é burro.”
Layne Turner, chefe da Administração de Drogas e Álcool da região de Lehig County, na Pensilvânia, disse que Cramsey pessoalmente trouxe pelo menos três pessoas para conseguir tratamento no local.
“Ele é um pai que está de luto, sofrendo. Ele tem feito muitas coisas boas na comunidade, mas existem preocupações sobre quão longe é longe demais para ele ir”, disse Turner.
“Não cabe a mim decidir, mas John Cramsey não deveria ser a história aqui. A história é sobre todas as questões sociais que estão levando as pessoas diretamente ao vício.”
De acordo com o médico legista de Lehigh County (condado de 390 mil habitantes) , 115 mortes foram registradas na região em 2015 causadas por overdose e outras 72 mortes foram registradas neste ano com suspeita de terem sido causadas por drogas.
Turner afirma que, a cada mês, os hospitais estão atendendo entre 400 e 450 pessoas com suspeita de overdose na emergência. “(A epidemia de vício em heroína) Está pior do que nunca e está atingindo todos os tipos de pessoas”, disse o médico legista do condado, Scott M Grim. “É desesperador”.
Independentemente disso, um porta-voz do Departamento de Polícia de Allentown disse que eles não podem tolerar atitudes como as de Cramsey em Nova York.
“Nós não encorajamos ninguém a fazer justiça com as próprias mãos”, disse o capitão Dan Wiedemann. “O primeiro passo é contatar as autoridades locais, o que não foi feito nesse caso.”
Cramsey e seus dois amigos ainda estão sob custódia, e a fiança foi estabelecida em US$ 75 mil. O advogado dele, James Lisa, diz que a família não tem condições de pagar e que, por enquanto, ele deve continuar rpeso.
Lisa diz que pretende impugnar as circunstâncias que levaram os policiais a detê-lo. “Eu acredito que a busca foi ilegal”, diz ele. “Independentemente do que está no veículo, a liberdade de expressão ainda está protegida.”
Epidemia de heroína nos EUA
Os Estados Unidos estão passando pela pior epidemia de consumo de heroína dos últimos 60 anos, de acordo com o departamento de Estado do país. Nos últimos cinco anos, o consumo da droga dobrou enquanto o de cocaína diminuiu pela metade.
Fonte: Último Segundo/Mundo/BBC BRASIL
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